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Folclore


O medo que senti na infância de adentrar o céu espelhado na poça de água, agora me parece um imenso medo de crescer e enfrentar o bicho papão que me parecia ser a vida. Embora a intuição me dissesse, eu não sabia que era preciso tanta coragem.

Aos 14 anos viajei para Cuiabá ao encontro de amigos que eu havia feito em Barra do Garças ainda na infância. Meu pai era delegado nesta cidade, onde acabei passando alguns períodos que deixaram muito boas lembranças. Lugar por onde passa a grande e misteriosa Serra do Roncador, divisa de Mato Grosso e Goiás, confluência dos rios Garças e Araguaia onde teve início a Expedição

Roncador-Xingú empreendida pelos irmãos Villas Boas na década de 40. Barra do Garças foi cravada à beira do rio Garças e a população ribeirinha cultiva muitas lendas que ninguém arrisca para saber se é verdade ou não. O boto cor de rosa,

que é um peixe muito encontrado na região, tem um comportamento inteligente e brincalhão, os pescadores de lá acreditam que ele foi gente e tornou-se peixe encantado pela Iara. A Iara é uma sereia que encanta os homens com seu canto e os leva para o fundo do rio na forma de boto, de onde eles vem nas noites de lua 
cheia, engravidam as moças e voltam para lá.

A estiagem começa no mês de julho, assim o rio baixa e deixa à mostra suas areias. Ao encontrar com o Garças, suas águas seguem rio a baixo separadas, cada qual com sua cor, até que o Araguaia o receba por completo e inalterado.

Da praia, era possível avistar os pescadores em suas pequenas canoas se contrapondo ao sol, ficavam ali parados horas a fio, esperando algum cardume que fugindo dos botos, caíssem em seus anzóis. No final do dia, o sol tingia as águas de vermelho e deles só se viam as sombras. Neste cenário, aconteciam os Festivais de Praia do Araguaia. Nesta fonte bebi músicas feita com uma inspiração regional, falavam das queimadas, do rio, das estrelas e das matas. Entre os compositores que freqüentavam o festival estavam Almir Sater, Alzira e Tetê Espíndola que ainda viviam lá. Até então, eu acreditara que música seria um dom divino, destes que as pessoas jánascem assim abençoadas. Por isso, colocava no altar alguns dos músicos que conhecia e depositava neles uma grande devoção e encantamento. A música para mim sempre teve consonância com a magia, o fato do indivíduo identificar melodias e tirá-las tal qual ouviu, medindo o tempo e altura não seria coisa pra um reles mortal como eu, dessa maneira ia experimentando o fazer musical através da admiração aos outros. Chegando à Cuiabá, encontrei os amigos e decidi que não voltaria mais à minha terra natal. Eles tinham uma intensa produção musical e de folclórico autêntico o que faziam mesmo era a apreciação de uma boa cachaça, o resto era aproveitamento. A cidade de Cuiabá fica a 80 metros do nível do mar, localizada em uma depressão e envolta por um imenso chapadão onde o vento fez a curva e não voltou. O calor é imenso e a isso atribuo o também imenso calor humano que experimentei entre as pessoas de lá. Me apaixonei e fiz daquela terra a terra das minhas filhas que viriam.


Mantendo a tradição me casei e tive a primeira filha de parto normal aos 18 anos, o umbigo caiu em sete dias e eu o enterrei no pé da porteira. Aos 21 tive a Segunda filha também de parto normal e tudo se repetiu. A fita vermelha no braço para evitar quebrante e também na testa quando estavam soluçando. Assim a vida vai se recriando nos velhos e novos costumes através dos dias.




E QUE ESTES DIAS SEJAM SEMPRE BONS!


Por Liebe Lima

Comentários

Não conhecia sua veia musical. Meus parabéns, canta muito bem!!!E escreve maravilhosamente.

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